Foi publicado na edição de Julho/Agosto de 2020, na revista APAT, um artigo sobre sobre o E-Transitário de Hugo Duarte da Fonseca, Managing Partner da MAEIL.
Veja abaixo o artigo.
O e-Transitário (para que no presente e no futuro seja um €-Transitário)
Num mundo digitalizado, no setor dos trânsitos e transporte internacional de carga não há papel impresso (Faturas, BLs, CMRs e AWBs), os clientes (e consignatários) têm rastreabilidade do processo e sabem onde está a sua carga desde a origem até ao destino, e são avisados eletronicamente de qualquer evento que ocorra e que afete o transporte previsto e a ETD/ETA da sua carga, e/ou que lhes interesse saber (podendo ser configurado/ personalizado pelo cliente de forma online).
Muitos clientes já subscrevem o seu transporte de forma online, após consulta de preços e comparação de valores de oferta num (ou vários) Marketplace(s) especializado(s). Existem vários hoje em dia, para os vários modos e já são muitas as empresas que os utilizam para consultar o mercado, para disponibilizar a sua oferta e para otimizar ou rentabilizar a sua operação “em vazio”. A TAP Air Cargo acabou de integrar a plataforma cargo.one, por exemplo, e oferece aos seus clientes transitários esta “experiência”.
Os transitários que se modernizaram (e que continuam neste processo evolutivo) estão integrados eletronicamente com sistemas de e-commerce, e os seus principais parceiros e clientes requisitam estes serviços de forma integrada sem intervenção humana, quando a compra é efetuada num site pelo cliente final dos seus clientes, nas suas lojas online. Dão ao cliente a possibilidade de trabalharem e consumirem os seus serviços de transporte (e outros) online, 24×7, e em regime self-service. O mesmo que já se passa noutros setores e serviços, seja numa perspetiva B2B ou B2C.
Aos clientes é-lhes oferecido no serviço um arquivo digital online de toda a documentação e bookings que fizeram no passado. Podem subscrever também serviços adicionais de forma eletrónica, como despacho, transporte terrestre House/House, armazenagem, seguro de carga, entre outros. Os preços são públicos e a oferta transparente.
Estes transitários permitem aos seus trabalhadores aceder aos sistemas de negócio a partir de casa, em regime de teletrabalho, e têm ferramentas de trabalho em grupo e de partilha de informação sobre os seus processos de transporte. Um exemplo bem conhecido e também já usado correntemento é o MS Teams, embora existam também outras soluções idênticas, com funcionalidades semelhantes.
Os colaboradores podem assumir todas as tarefas que têm no escritório a partir de casa, como o telefone, email, gerir documentação, participar em reuniões, e podem inclusive marcar férias e registar ausências, visualizar recibos de vencimento e pedir declarações de IRS, quando necessitam. Existem plataformas (como, por exemplo, o Omnia) que permitem disponibilizar estas funcionalidades aos seus colaboradores e facilitar a gestão dos RH de forma desmaterializada.
Neste período que atravessamos com diversas contingências, não necessitam ir ao escritório para imprimir faturas ou BLs para enviar aos seus clientes. Fazem-no remotamente, ligados através da internet aos sistemas da sua empresa.
Os seus processos internos e externos (com clientes e parceiros) estão desmaterializados.
Esta é já uma realidade atual no setor, e transforma o negócio destas empresas num misto de fornecedor de serviços (de transporte) mas também de tecnologia (para terem sistemas que os suportem, em escala, e os permitam diferenciar da concorrência e “escalar” os seus serviços a um maior número de clientes).
Veja-se o exemplo da Flexport (US), já com presença nos cinco continentes. Começou em 2014, nos EUA, no setor do shipping e transporte de contentores e hoje já faz também transporte aéreo (está ligado à Champ, ou seja, reutiliza também este canal/ gateway para integração com as companhias aéreas) e terrestre. Fornece um serviço totalmente digital e teve um investimento
de $1B em 2019, com uma avaliação de $3.2B, com volume de negócios de $450M anuais, a crescer anualmente.
Outro exemplo, a startup BlueX, que pretende ligar shippers e carriers, para dar aos shippers todos estes serviços de que falámos acima, desmaterializados.
Finalmente, a MSC, que acabou de lançar o serviço global instant quote no seu portal myMSC, com o objetivo de fornecer cotações em tempo real aos seus clientes, à semelhança do que já fazem outros armadores (nomeadamente a Evergreen, que implementou o BlueX, acima indicado).
É com esta realidade que os transitários (e restantes empresas do setor) têm de competir localmente (e globalmente), mesmo que ainda tenham negócios específicos, e de nicho, e por isso menos exigentes e desmaterializados, que os atuais concorrentes emergentes e digitais não oferecem porque não têm escala
e não representam atratividade suficiente (por enquanto). Ou porque ainda há resistência e utilização do papel, como a Alfândega e outros atores do sistema (que também têm que se digitalizar).
O que é certo é que chegará o dia em que até mesmo nesses casos (de nicho) a digitalização e desmaterialização de todo o processo de transporte de carga será uma necessidade e realidade, com todos os players tecnologicamente integrados. As pessoas ajudarão nas exceções e especificidades que as
plataformas e sistemas não conseguirem tratar, em tarefas de apoio e de necessidade de intervenção humana (onde é exigida criatividade, relacionamento e estratégia).